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Ensaio - WALDEMAR CORDEIRO : UM OLHAR SOBRE A OBRA DO GÊNIO DO LIRISMO.

Casa dos Poetas | 15:09 | 0 comentários

Por Josessandro Andrade

“Tenho a cabeça tonta e a mente cheia Dos comprometimentos da bonança Da demagoga da esperança Da tentação do ouro em terra alheia” ( Waldemar Cordeiro) 

O poeta na efervescência dos projetos utópicos que se levantam no seu íntimo, reafirma sua crença no futuro, disposto a correr os riscos que todos os deleites possuem. Assim foi a vida e a obra de Waldemar Cordeiro, em Sertânia, nascido a 20 de Outubro de 1911 e falecido a 30 de outubro de 1992. Homem plural e artista múltiplo:Professor, tabelião público, diretor de educação municipal, poeta, compositor, músico e teatrólogo.

Dono de uma farta obra poética, mas de uma bibliografia curta, o poeta de Sertânia estreou em uma brochura, ainda na década de 1940, com “ondas revultas”, que não continha ainda o potencial ,que ele ostentaria no longo desenvolvimento de sua produção literária, que iria desembocar numa peleja por editoras, gráficas e órgãos públicos para publicar seu segundo e definitivo livro,“salão de sombras”, lançado em 1992, pela Prefeitura do Recife, através da Fundação de Cultura, ao qual não chegou a vê-lo impresso, já que fora vítima de acidente de trânsito, aos sair do edifício do poder executivo da Veneza Brasileira, atropelado por um veículo, vindo a falecer dias depois, aos 81 anos, após dolorosos dias de internação hospitalar.

“Salão de Sombras” é dividido em em duas partes. Na primeira, há o “Livro de Siboney” e “Poemas bíblicos”. A segunda engloba “Cadernos de infância”, “visões do mundo e das coisas”, “paisagens”, “apocalipse”, “sonetos”,”trovas e poemetos” e “poemas ad-memorian”. Utilizando – nos da análise do discurso pretendemos traçar aqui uma contribuição para que a obra do mesmo mereça uma maior atenção e um maior estudo em nossas instituições de ensino e na sociedade.

O “Livro de Siboney” traz o grande poema de amor dedicado a esta, que segundo Alberto da Cunha Melo “é mais uma musa incorporada a mitologia poética do nordeste”. Waldemar Cordeiro alimentou por Siboney um sentimento estético quase obssessivo, como manda o figurino do estilo romântico, mas deu-lhe forma com elementos do simbolismo como neste trecho:

“Usaria ao falar de Siboney Palavras refletidas nas estrelas Todo o charme de Círio Dentre aquelas E o sol de fogo em que me incendiei” 

O teor simbolista se reafirma nos “poemas bíblicos”, onde , católico por formação e opção, Waldemar Cordeiro destila seu misticismo religioso em metáforas sugestivas como : “ o Sol que ventania traz nas costas / apunhalara a estrela da manhã”. Na sua concepção de Cristão, ele também não fecha os olhos para os descaminhos da realidade social : “Sinos tocam. Garotos brincam nus Em véspera de festa, a mais sagrada Papai Noel promete e não dá nada Pro Natal dos meninos de Jesus.” Da sua meninice vivida parte em Minas Gerais, parte em Cabrobó, na beira do rio São Francisco, o poeta escreveu “ Caderno de infância” onde o eu-lírico radicaliza na defesa da poesia enquanto a mais perfeita possibilidade de reconstrução do mundo passado e mágico, ao afirmar que “só a poesia faz voltar à infância”.

Para comprovar a suas tese, ele argumenta nos remetendo aos arraiais da natureza, no correr dos rios, no florescer dos campos, ao cantar de passarinhos, que misturavam-se ás cantigas de roda as canções de ninar das mães: “Noite já. Minha mãe com suas mãos de lira Me embalava a cantar numa rede de embira.” Nesse mergulho no universo de cronos, o seu foco vai até a “adolescência”, Onde numa retrospectiva telúrica resgata os primeiros e inesquecíveis amores: “Via á tardinha Lourdes no chalé, Judia sob um véu azul turquesa, Plantava beijos nos leirões de Anita, Corria léguas para ver Teresa 

Nas “visões do mundo e das coisas”, Waldemar demonstra ser de fato o “Mestre Dema”, a dominar também os recursos do verso livre e da poesia moderna, como em “Pântano”, cujo uso harmonioso de antíteses imagens revelam identidade com as tendências contemporâneas: 

 “O sapo gênio da lama Vive sempre a olhar pro chão E morre fitando o céu”

 Para adiante concluir:

 “Não tive glórias: sonhei-as. Não há que meça a distância Que vai da lama às estrelas”.

 As “paisagens” servem como exemplo claro do caráter atemporal e universal da poesia de Waldemar Cordeiro, onde canta desde as figuras mitológicas, as pirâmides egípcias até os sertões do Moxotó, do Pajeú , do São Francisco , da Baixa verde, do Ipanema, do chapéu de couro... 

A polivalência do talento poético de “Dema do Moxotó” se faz notar no exercício de “ Os sonetos”. Sabendo-se que não são poucos os vates desavisados, Que desconhecem as características básicas, que vão além da fórmula das estrofes, de dois quartetos somados a dois tercetos, mas envolvem também elementos da rima e da métrica, Waldemar desenvolve este tipo de composição poética, utilizando as orientações clássicas, revelando-se um artífice manuseador dos recursos mencionados, a exemplo desse alexandrino: 

 “Proclamaram-me rei da esperança do nada Meu palácio ruiu como casa sem dono E não passou de sinfonia inacabada”. 

A proximidade geográfica com o Pajeu Pernambucano e o Cariri Paraibano, além da consciente necessidade de pluralidade cultural manifesta no poeta, fizeram com que Waldemar Cordeiro não só mantivesse amizade com os poetas populares de São José do Egito e Itapetim, a exemplo de Lourival Batista, Jó Patriota e outros, e de Monteiro como Pinto do Monteiro, que por muitos anos morou bem próximo do Mestre Dema, em Sertânia, participando de cantorias , onde atuava como motista destes violeiros cantadores e também em rodas de glosas. Isso contribuiu para ampliar ainda mais a influências da poesia popular na obra poética de Waldemar, já que como sertanejo,criado nesta região, é natural o convívio com os repentistas. “Trovas e poemetos” é um exemplo a toda prova, onde os temas, expressões e estrofações bebem na mesma fonte dos poetas populares, conservando nuances sofisticados de erudição em seu vocabulário.Que Bela canção de viola daria “Monólogo de um carro de boi”, um lamento do rústico transporte rural ante a chegada do táxi de praça , que roubou-lhe a glória e os passageiros, ou que belo romance de cordel não daria “Rosa Maria”, uma tragédia passional no bairro da Pedra Grande, que abalou a cidade. Na primeira, tal um poeta na feira, personifica o protagonista em sua derradeira lamentação:

 “Adeus vida minha Cai na desgraça Que o carro de Praça Roubou-me o que eu tinha” Em “Rosa Maria”, o eu-lírico encarna a revolta coletiva diante do bárbaro crime: “Pixaca, Otelo vulgar Pra colhê-la de surpresa Depois de servir-se dela Fê-la vítima indefesa No bairro da Pedra Grande Em horas aveludadas Tombava Rosa Maria Com quatorze peixeiradas” 

Em “Casa Velha” , o poético cheiro da terra nos remete ao mundo telúrico da nostalgia, numa visão romântica , assim como a do eu-lírico presente nas sextilhas do poema “Só para os olhos”, que virou painel de poeisarte no bar e restaurante” Aconchego”, em Sertânia, desde a época de sua inauguração em 1998, criação do artista plástico Maurício Floriano. Em “a bolsa ou a vida”, esse modo romântico de ver, ganha elementos novos, com uma leve ironia realista: “Bolsa e vida a sua escolha: “Uma e outra estão vazias”.

          Assim podemos observar os mais diversos aspectos da poesia de Waldemar Cordeiro, que foi na verdade o grande intelectual que viveu em Sertânia. Enquanto Ulysses Lins de Albuquerque fixou-se no Rio de Janeiro e Alcides Lopes de Siqueira, radicou-se no Recife, ambos por obrigações profissionais e familiares, embora não tirassem a terra natal do pensamento e nela mantivesse pelo menos uma ou até mais fazendas, Mestre Dema , pai de duas famílias ,“optou” , por livre imposição da vida, por morar no Sertão do Moxotó, mais precisamente em Alagoa de Baixo, hoje Sertânia.
          Em 1949, com Abílio Monteiro e Ubirajara Chaves, fundou o Ginásio Olavo Bilac,que tornou-se um dos mais tradicionais do interior de Pernambuco, dos quais seria professor de Português, latim e canto orfeônico, entre outras disciplinas. Tabelião público, músico saxofonista, escrevia em partitura com grande desenvoltura. No tradicional América Esporte Clube , foi um dos fundadores, relator do estatuto social e exerceu diversos cargos na direção. Na Prefeitura Municipal foi diretor de Educação de várias gestões e assumiu interinamente cargo de prefeito, no período em que foi secretário-geral do município.
         Notável compositor, bastante requisitado pelas famílias da comarca para escrever a valsa das debutantes, saudoso costume daqueles anos românticos. Hoje a trilha sonora de muitos aniversários de quinze anos é o acinte de músicas apelativas, que só falam grosseiramente em baixaria, sem nenhuma poesia, acompanhadas por ritmos que nada tem de melodioso, a não ser as batidas mecânicas de som performático de Academias de ginástica. Hoje, os meios de comunicação só querem faturar o famoso jabá, sem a mínima preocupação com a qualidade musical. É Difícil vermos sendo executadas canções como as de Waldemar Cordeiro e Francisquinho, em memoráveis parcerias de frevos, baiões, sambas, tangos , valsas e boleros, onde a sensibilidade aflora: “Aquarela do sertão”, “Basfont”, “Lá vem a onda”, “Carnaval é sonho”, “Garota san tropê”, Pobre Trovador, entre quase uma centena , segundo o pesquisador João Henrique Lúcio, atual Secretário de Cultura de Sertânia.
          Em 2011, foi vivenciado de forma modesta o Centenário deste grande poeta Pernambucano. O lançamento do CD “Aquarela do Sertão”, com mais de uma dezenas de músicas de sua autoria, a realização da Semana Waldemar Cordeiro, na Rádio Sertânia FM, com audição dos poemas de Waldemar recitados pelos poetas locais, além da Missa do poeta, celebrada com recital em versos dedicados ao mesmo, escritos por Poetas sertanienses e apresentação da Banda Municipal Sebas Mariano, além de homenagem nos eventos culturais da cidade, a XXIII Semana Estudantil de Artes, organizada pela ACORDES- Associação Cultural de Sertânia e o Canto Da Poesia, organizado pela SAPECAS- Sociedade dos Poetas, Escritores, Compositores e Artistas de Sertânia-PE.
          Encerramos este despretensioso texto, tomando emprestadas as palavras de Alberto da Cunha Melo, poeta pernambucano, considerado um dos maiores nomes da poesia brasileira contemporânea, no prefácio da obra: “ Falar (... )sobre poesia é o mínimo que podemos fazer contra os que só se ligam as falsas duplas sertanejas, produzidas aos montes nos estúdios do sul do país. Precisamos gritar contra a avacalhação de nossa cultura pelos bandos modernos de cowboys, que trocam nossas vaquejadas e cavalhadas pelos milionários e descaracterizadores rodeios da nossa identidade como povo. O surgimento de um livro da mais verdadeira poesia é uma oportunidade que temos para fazer, ao mesmo tempo, uma denúncia e um louvor. “Louvo então Waldemar Cordeiro, o poeta de Siboney.” E Mais não disse o poeta Alberto. E mais não digo eu... Também, pudera...

         * Josessandro Andrade é professor, poeta, compositor e autor teatral. Este Texto foi apresentado em forma de palestra na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, em 2011, em Recife-PE, de Josessandro Andrade, Adriano Macena e Marcos Cordeiro.

Na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco que homeanageiou o Centenário de Waldemar Cordeiro, Os Santana Freire descendentes do Gênio do Lirismo, o filho Marcos Cordeiro(Poeta, Escritor e artista plástico), as Filhas Cacá e Lourdinha e o primo Wilson Freire(Poeta, escritor, compositor e cineasta), filho do Cabo Jaime Santana Freire, primo legítimo de Waldemar Cordeiro e de Teresina Amaral, Mãe de Antônio Amaral, Luiz Pinheiro Filho, Walter Amaral, poetas, compositores, escritores e músicos. Família iluminada pelos anjos da poesia, da literatura e da arte.


Plateia e palestrantes na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco

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